segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Você tem fome do que?


A fome pode ser de carinho, aceitação, satisfação, prazer, reconhecimento, zelo, alegria, liberdade, amor, pai e mãe presente, plenitude, autenticidade, espaço.

Tantas coisas estão misturadas a sensação que traduzimos como "fome", e que podem ser coisas que não sabemos como lidar, não queremos lidar, não aprendemos a lidar ou nem percebemos que estão ali.

Coisas que vão ampliando nossa ansiedade, nossa necessidade, nossa voracidade, nos levando a constante procura pelo alimento apoio emocional, alimento para a alma mas que machuca o corpo.

A vida interior se estreita e a fome exterior se amplia, é preciso sempre mais para nutrir o eu pequeno, é preciso muito prazer para cobrir a sensação de miséria que esta ali, mesmo quando não somos miseráveis.

Então o corpo se amplia, se alonga, ocupa um espaço que a alma sente que precisa, mas que a consciência não percebe como tal, e para a mente racional tudo é ilógico, e vem a vergonha, enorme, que no entanto não sobrepuja a carência.

Se forma um ciclo vicioso, carência-desejo-procura-tensão-descontrole e assim o corpo se transforma em um castelo, onde de uma janela uma pessoa perturbada, frágil ou desorientada observa a não vida, o não eu.

Num dado momento a dor lhe remete a consciência do seu engano, que vem em palavras cortantes como "gorda", "feia", "disforme", "obesa", "banhuda", "elefante", palavras que correm a sua volta e lhe fazem fechar os olhos com força.

É um ser humano com braços, idéias, habilidades, sorriso, nome, família, sonhos, mas tudo isso se apaga diante da palavra "gorda", como um emblema que gruda na testa, 24 h, uma confirmação - INCOMPLETA, INADEQUADA.

Essa fome que não quer calar, como uma ruido que fica ali, ao fundo, sempre constante - EU PRECISO! - as vezes curtos gemidos, sussurros, em outras gritos assustadores - EU PRECISO! EU PRECISO! EU PRECISO!

Essa fome que não quer parar se transforma num grito de transgressão, acusação contra o mundo que lhe oferece, lhe atiça, e depois acusa, aponta, ri da sua necessidade, humilha.

Houve um tempo em que a comida era difícil e a fome era um alerta da sobrevivência, então veio a fartura e a comida se tornou um meio de socialização, comemoração, ascensão social.

Na tv, em cartazes, em cada esquina, nas revistas a comida lhe chama numa pagina e o regime na outra, convivem tão próximas a gula e o despojamento, o prazer oral e a imagem da sua negação.

Tudo lhe diz - COMA! E tão fácil comer.

E logo depois lhe cobram - MAS NÃO ENGORDE!

Diariamente somos massacradas por imagens de mulheres muito magras, símbolos de poder, felicidade, sucesso, e somos também sacudidas por tudo aquilo que não temos, a boa vida, a perfeição, então buscamos o prazer que podemos, fácil ali.

Estamos descontroladas, não sabemos como e o que fazer, estamos presas as armadilhas do habito, a recompensa imediata, a sociedade acusa mas não educa, a sociedade não assume sua parcela de culpa.

No entanto, mesmo desorientadas e doentes, ainda temos o poder e o direito de viver outro personagem, assumindo que somos responsáveis pelas nossas escolhas.

Saindo do papel de vitima, tirando a sociedade do papel de vitimadora, abraçando a habilidade de conduzir a vida, escolhendo hoje não apenas o caminho fácil, o caminho das sensações agradáveis, mas olhando dentro do vazio que esta lá.

A fome de vida não se sacia com a comida, a fome de vida se satisfaz quando tomamos a vida para nós, reafirmando que merecemos e podemos, que não somos mais uma parte mas uma pessoa inteira e capaz, do nosso jeito, agora.

Eu quero viver sem me agredir com a arma da comida, sem me proteger com o escudo da comida, sem me embalar com o conforto da comida, sem me enganar com o prazer da comida.

Se amar é ir contra a corrente num mundo que precisa nos fazer acreditar na insuficiência para ter lucro.

Eu quero me amar hoje, amanhã e a todo momento, mesmo que não seja um bom momento, mesmo que seja um péssimo momento.

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