terça-feira, 24 de agosto de 2021

A Insustentável Dureza do Ser

 



Até a pouco tempo eu acreditava que a vida era mesmo essa batalha que todos exaltam ou lamentam, e procurava me amparar com as ferramentas e habilidades necessárias para essa luta.

Assim como muitos eu era essa pessoa que acumulava poderes e pretensos saberes, procurando me antecipar aos possíveis conflitos inevitáveis e questões complicadas que estão sempre a nossa espera.

E assim nunca fui completamente feliz e nunca senti a leveza dos que já cumpriram sua tarefa, aqueles que sabem que podem tirar seus sapatos existenciais e relaxar no abrigo do coração saciado e alma tranquila.

Ainda há muito a ser feito, pensava eu, muitos caminhos e tarefas, coisas que me empurram para trás ou tentam mudar meu roteiro, eventualidades vivenciais que incomodam e tomam o dia a dia.

Então ontem eu acordei em diversos sentidos, acordei para o absurdo de considerar a vida uma guerra, de estar sempre em estado de alerta, na porta da situação com a chave na mão.

Prestei atenção no tom e nas palavras, na formatação das conversas, de onde vinham e como giravam sempre no mesmo lugar, como redemoinhos carregando coisas soltas e perdidas.

Me surpreendi não somente com a disfunção de tudo, mas com o tempo e força que dediquei a isso, como a alimentar um ser imaginário, acreditando ser real e essencial.

E ai fui abrindo os quartos da mente, porta por porta, e marcando as tralhas que estavam tomando o espaço precioso da alegria, do prazer, da vida aceita e não condicionada.

Eram muitas, antigas, ultrapassadas, feias e rusticas, que na minha ilusão achava essenciais e belas, estavam ali para me amparar nas dissoluções como únicas soluções.

Mas por que haveria de precisar de palavras porretes, conceitos canhões, idéias muralhas, atitudes flechas, ações bombas???

Percebi que era preciso se armar na incapacidade de amar, se proteger quando a própria vida parece conter a toxidade que pode nos envenenar.

Minha vida não era somente murada, como cheia de escadas e labirintos, por isso estava sempre cansada e desorientada.

Então sai do espaço, morada, vida que ergui desatenta ao material do qual era constituída e ancorada, sai descalça, semi nua, mais rica do que nunca, agora sem inimigos.