segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Fingir para facilitar a vida dos outros


Por acaso vi num blog a seguinte frase "A maior virtude do ser humano, é manter um sorriso nos lábios enquanto o coração explode de dor."

Para a pessoa que escreveu se trata de um aspecto positivo do ser humano, seria a demonstração de um poder e grande capacidade.

Analisado de uma percepção profunda é apenas a estimulação e valorização da mentira,  fingir para tornar mais confortável a vida dos que nos cercam.


E por que deveríamos manter um sorriso nos lábios enquanto o coração explode de dor?


Esse é o preço exigido para receber amor, atenção, tolerância, pertencimento?


Estamos num mundo de aparências, mas é mais do que isso, é um mundo de manipulação, emparedamento, é um mundo onde somos treinados a dois tipos de condutas diferentes, a social e a privada.


Um mundo de pura ilusão, onde não somos o que mostramos e nem conhecemos precisamente aquilo que somos. Apenas estamos.


Carregados pelos nossos medos, fobias, desejos, raivas, compulsões, crenças, limites, pudor, tateamos o mundo fazendo o que todos querem em busca de aprovação, proteção, aceitação.

Eu me confrontei algumas vezes com as mentiras funcionais alheias, principalmente quando fiquei com câncer.


Amigos diziam que me visitariam, prestariam ajuda, estariam ao meu lado, pau para toda obra, a qualquer momento, bastaria pedir, gritar, levantar o dedo.


Pois é isso é o que se espera que amigos digam, no entanto foram apenas palavras vazias, desejos, hipóteses, em algum momento num futuro imaginário.


Porque é muito feio dizer - Câncer, que horror, eu não tenho estrutura para lidar com isso, vou manter distância!


A obvia verdade, mas uma feia verdade, dize-la seria de uma transparência chocante, mentir é mais doce, fingir é mais confortável, para nós e principalmente para o outro.


Assim vivemos na ilusão da eternidade, sem precisar nos confrontarmos com as coisas tristes e inevitáveis do mundo, velhice, doença, morte.

Estoicamente recebia aqueles falsos sorrisos e falsas palavras de apoio refletindo sobre a incapacidade de demostrar o que sentimos e pensamos.


Tanto desejamos a verdade, tanto vivemos chafurdados na mentira.


Falava ok e suspirava de exasperação por estar participando daquele faz de conta que, quando somos crianças é tranquilizador, mas entre adultos é idiota.


Falava ok para acabar logo com aquela farsa, em que a dor do outro em confrontar a minha dor é intolerável.


Já li em algum lugar que sofre muito mais quem sobrevive, por exemplo pais sobrevivendo a perda de um filho.


É assim porque estamos  mergulhamos no EU, MEU, PARA MIM, DE MIM, de forma tão profunda que desrespeitamos a dor do outro.


Não seria bem melhor sentir e participar, chorar, até pedir perdão por não conseguir lidar com isso?


E nunca, em hipótese alguma, exigir que aquele que sofre mantenha um sorriso nos lábios só porque somos covardes e omissos.

Odeio a solidariedade de mentira, os conselhos inócuos, a bondade de aparência, para todos verem, para marcar presença e não pagar pau de má pessoa.


Mas tem algo pior, quando somos confrontados pelos outros, que numa verborragia ensandecida expõe e explica nosso grande erro,  talvez maus hábitos alimentares, estresse, falta de amor próprio, falta de deus.


São coisas estupidas e sem sentido que pessoas vazias e sórdidas adoram dizer! 


É claro que elas não se acham erradas e más, mas abençoadas por estar nos trazendo tão preciosas palavras.


Isso é sadismo travestido de boas intenções, o outro tentando nos jogar na cara como somos incompletos, burros e incompetentes, por isso estamos doentes, mas eles não, eles são protegidos pela sua pureza e perfeição.


"CONFIE EM DEUS" é outras das besteiras que se fala como se fosse uma metralhadora que pudesse destruir uma doença grave, matar o cerne de uma célula cancerosa, destruir o vírus da AIDS, limpar totalmente o corpo de uma distrofia causada por uma doença degenerativa ou mesmo curar automaticamente  Alzheimer. 


Quer dizer que quem confia em deus não adoece e não morre?


Já chegaram a me aconselhar a "CAIR DE JOELHOS E PEDIR PERDÃO PARA DEUS", dito por uma pessoa que não me conhecia, dentro do meu serviço, ao me ver careca pela quimioterapia. 


Me deu vontade de cair de joelhos e pedir uma coca cola light geladinha e uma fatia de pizza de provolone naquele momento.


É claro que antes eu pediria que a falta de compaixão fosse extirpada da face da terra, pulverizada, não sobrar nenhum átomo da ideia imbecil que sabemos cuidar da vida alheia.


A dois dias mesmo, enquanto esperava o preparo de um medicamento para uma das minhas cachorras "tive" que ouvir um desses conselhos da idade média - que doença, em cão, se cura orando para Bezerra de Menezes.


É claro que essa mesma pessoa estava comprando para ela mesma e para seus familiares medicamento alopático. 


Quando me viu relutante em aceitar sua receita ainda afirmou - Seus animais vão continuar doentes, lhe falta fé! 

Uma frase que, em algumas culturas seria considerada uma maldição, uma praga, um mal falado, isso vindo de uma espírita. Que imenso amor fraternal!


Por que simplesmente não nos mantemos calados, aceitando e admitindo que não sabemos, não temos soluções, essa é a vida, e ficarmos apenas ali, compactuando nossa humanidade?


A presença bondosa é o que tem de mais precioso, a presença que não julga, não tem pressa em fugir para sua vida controlada, apenas esta ali, respeitando sua dificuldade
.

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