quinta-feira, 30 de abril de 2015

Ponto a ponto


Hoje a tarde comecei a sentir uma agitação dentro de mim.

Algo subia e descia, tocando suavemente diversas partes do meu corpo, algo saia e entrava em meu coração, que batia bem devagar. 


Fiquei calma, estranhamente calma, a mente sem palavras, sem julgamentos, sem expectativas ou ordens.


Não era algo que pudesse controlar, entender, nomear, delimitar, não era algo de fora que causava uma reação, era algo de dentro, que estava além do conhecido.


Os sons exteriores - cães latindo,  carros passando, gente conversando - continuavam ali, tudo igual, mas uma quietude intensa desceu sobre mim. 


Não havia perguntas, não havia a necessidade de perguntar algo, não havia respostas, nem o outro, eu, ali, amanhã, só o silêncio e o agora. 


Parecia que estava dentro de uma bolha, em outro mundo, talvez o mundo como ele é sem as emanações da mente confusa.


Quando olhava para o meu corpo eu o reconhecia como minha parte, não minha totalidade.


E quando olhava para meu ambiente também o reconhecia como minha parte, não mais como algo exterior.


Sentei na cadeira, como que para meditar, mas não era preciso sair de algum lugar para outro, não era preciso nada.


O sofá, as cadeiras, a mesa, os livros, tudo igual e tudo diferente, como a percepção de alguém que tivesse finalmente voltado de uma longa viagem.


Presença? Ausência? Integração? Separação? Sem palavras, só o olhar calmo e atento e o silêncio.


Então a bolha estourou e eu cai no colo do habito, manias, desejos, das percepções truncadas pelo falar constante na cabeça.


E o ruído se fez presente, junto com a ansiedade, o questionamento, a falta de clareza e foco.


Aquela porta que parecia estar se abrindo foi fechada assim com o pontapé da cultura humana, a doença da normose.


Pensei nas centenas de meditações de Buda sob a árvore, nas meditações que não trouxeram nada, como pequenos pontos frouxos numa costura longa.


Pensei em todos poentes e amanhecer sem resultado, eu esperando algo, ele não esperando nada, apenas realizando, ponto a ponto, numa costura longa.

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