Ler sempre foi uma experiência saborosa para mim, semelhante a comer. Lendo encorpo a mente, coloco as sinapses para dançar, suspiro, dou risada, maravilhada desvendo o mistério e me torno mais centrada e confiante, por saber, um pouco mais de tudo.
A ignorância se faz sem livros e a tal "massa de manobra" se forma entre aqueles que poucos compostos tem em sua liga mental, esses desconhecem seus reais direitos, não cumprem seus deveres, dependentes do caminho alheio são coitadinhos açoitados por um mundo cruel.
Não saber leva ao temor, preconceito, más escolhas, e o homem atado pela ignorância e acuado pela falta de respostas acaba delegando todo o poder da sua vida a alguns poucos que estão fazendo esse "tedioso" oficio - se informar. Só que nem sempre esses têm as melhores das intenções.
É claro que nem toda leitura informa, forma, transforma, reforma, algumas deformam, afrontam, limitam, enganam, mas é preciso ler, de tudo, para separar uma da outra, e sentir segundo seu próprio paladar, aquilo que lhe apetece, naquele momento e em infinitos momentos que virão.
Lembro-me bem depois de 9 meses de quimioterapia mais 2 meses de recuperação da operação e mais 2 só para me sentir novamente adulta e capaz, do primeiro momento de prazer, na verdade gargalhada até as lagrimas, lendo um livro de Andreia Camirelli. Fértil e humana novamente.
Lendo desnudo meu pior e deslumbro meu melhor, vou juntando as milhares de peças do quebra cabeça existência, janelas se abrem tanto para ampliar a respiração como para enxergar que existem paisagens além de mim, muros de contenção caem e novos caminhos surgem.
Através dos livros reflito sobre amor, ética, honra, liberdade, compromisso, palavras que iluminam minha mente-vida, descubro força de transformação em situações-histórias improváveis, duras, cortantes, destrutivas. Como não se emocionar ao ver a capacidade de se reeditar em "De Bagdá com muito Amor"?
Os livros me aquecem sem precisar acender um fosforo sequer e me refrigeram mesmo no verão do aquecimento global, alias os livros também me confirmam histórias que já sei e me ajudam a desenvolver meus mitos pessoais, me apresentam as pessoas em ângulos nunca vivenciados.
E sempre considerei entre os maiores prazeres dos livros lembra-los, passagens, nomes, detalhes, frases, como observar borboletas voando, belas e fugazes, lembrar-se de um livro é lembrar-se de horas apreciadas, aplicadas, nutridas.
Então em janeiro de 2012 um AVC avançou sobre o meu cérebro, rápido, impávido, colosso, embaralhou o movimento, luz, visão, percepção, me fez experimentar novamente um mundo de insuficiência, dias, horas e meses de limitação, os livros foram guardados.
Depois veio o tempo de observação, adaptação neurológica e emocional, consulta médica, medicamentos e o esquecimento, não lembrar o endereço da própria residência, senhas de contas bancarias, numero do celular do filho, nome das pessoas, meu próprio nome.
Ler se tornou uma tortura, uma ferida dolorida, ler e não lembrar o que foi lido é o mesmo que não ler, assim eu pensava, assim sentia, sem memória era o mesmo que sem aproveitamento, sem realização.
Depois, num dia como qualquer outro, pois realmente todos os dias se tornaram mais ou menos iguais, todos domingo fim de tarde, saltou de algum lugar a frase - Que sua mão direita não saiba o que fez a esquerda!
Coisa estranha para uma não religiosa!
Pensei nas mãos descombinadas, incoerentes, surdas ao apelo do esforço comum, pensei muita coisa, mas depois entendi, entendi naquele lugar sem palavras, sem frases, naquele lugar onde descansa apenas a experiência pura.
Não é preciso lembrar para ler, não é preciso ler para lembrar, a cada minuto cada letra cai em mim, cai no seu lugar certo, despertando algo naquele minuto, algo que talvez não fique além do tempo da sua percepção, mas mesmo assim houve a experiência, surgiu algo.
Continuo não me lembrando do que leio, mas estou mudando sentimentos e atitudes, é como se agora os livros fossem lidos pelos meus olhos, os símbolos das letras descodificados pelo meu cérebro, porém guardados no meu coração, como memória vivencial.
Meus motivos para ler? PORQUE ESTOU VIVA!
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