domingo, 14 de março de 2021

SALVE MARIA !!!!

Hoje cortando um maracujá bem maduro, o cheiro se espalhando para todo lado, comecei a lacrimar, lembranças da minha avó. 

Maracujá era sua fruta preferida, sorvete de maracujá era algo que ela comia como uma criança faminta de doce, qualquer casa que morasse, por menor que fosse, tinha seu pé de maracujá. 

Até no apartamento do bexiga, minusculo, onde nasci e passei o começo da minha infância, tinha uma latinha na janela minguada e gradeada com um maracujazinho. 

Chorando me lembro dela, enfrentou guerra, fome, viúves jovem, sair do seu lar e ganhar mundo para um lugar que não conhecia ninguém. 

Nem sei mais em qual guerra, faltando açúcar, café e farinha, ela se esgueirava pela plantação de café, de noite, para pegar um tanto, secar na janela, moer no pilão e tomar com gosto com amigos e vizinhos. 

Café roubado das plantações que estavam para queimar, o preço e a guerra, já não valia a pena colher e levar para vender. 

Fico imaginando aquela senhora, naquele ponto mulher mais jovem, quase uma ninja, de aventalzinho (que só tirava para dormir e ir na igreja), vestido florido de algodão, descalça, se arrastando pelos cafezais, em silêncio, para não dar de cara com os seguranças armados. 

Relembro contando quando SP e Minas estavam em disputa armada, ela trabalhando de cozinheira na casa de uns paulistas em Minas Gerais e foi dado alerta que o exercito paulista estava chegando, todo mundo fugiu, e ela ficou na varanda, esperando o pelotão paulista com um grande bule de café bem coado, um saco de pão de queijo e outro de bolo de fuba. 

Por diversas vezes me disse: - Gente jovem, só criança, chegaram famintos, sujos, cara inchada de picada de mosquitos, foram tirando o quepe e pedindo licença e um a um eu servi de café, pão de queijo, bolo, e uma marmelada de lata, naquela noite eles dormiram por lá, coitados, a guerra é feia, faz tristeza do lado de cá e de lá. 

Eu sempre pensava ao ouvir seu relato que naquela noite eles tiveram um pouco de mãe/avó/tia, um pouco da casa lá de longe. 

Ainda lhe vejo, como se estivesse aqui, de pé, o mesmo vestido simples, cantando suas musicas religiosas, carpindo a terra para plantar mais um pé de tomate ou uma nova safra de mandioca ou mesmo limpando alguma planta de bicho, tirando as lagartas com a mão e dando para os passarinhos. 

Me lembro depois, já na cadeira de roda, enxada adaptada, ainda abrindo buracos para colocar os pedaços de mandioca, ainda a mesma mulher que lutou para criar as filhas sozinhas, que fazia pastel na barraca da igreja e escondidinho oferecia um golinho de pinga para atiçar o apetite. 

A mulher que nunca aprendeu a ler, mas desenhava seu nome, a mulher que pariu seus filhos em casa, de cocoras, mas antes carregou lenha e água para seu próprio parto, a mulher que quando criança atravessava o rio forte e andava quilômetros para levar a panela de comida para seus pais na roça, na fazenda de algodão, que era sempre de outra pessoa. 

Foi a primeira mulher que deu sopa para meu filho, batata baroa, vagem torta com peito de frango, foi possivelmente a primeira que também me deu sopa. 

Me ensinou a cantar, sempre seus hinos, me ensinou a cozinhar, só ali olhando, limpar a casa para receber Jesus (como ela sempre dizia), e principalmente me ensinou a consciência ecológica, que naquele tempo tinha outro nome, era apenas "Fazer o que é certo!". 

Avó eu ganhei mundo, fui a tantos lugares longes, fiz tantos cursos, estudei, trabalhei, faço coisas que você nunca chegou a ver e talvez nem pudesse acreditar que existe, como o computador, o celular, a filmadora, mas em tudo que fiz e onde eu fui, em tudo, você estava avó, porque eu sou o que sou e serei o que posso ser porque você existiu, lutou, persistiu, enfrentou e com isso estou aqui. 

Quero apenas dizer que sempre que faço ou reviso ou amplio meu currículo sinto que falta aquilo que é realmente mais importante, deveria estar ali, pois a partir disso que eu fiz tudo aquilo, falta escrever 

 - Curso Intensivo e Extensivo de Consciência Ecológica , Humanística e Planetária - 1961 a 1989, aconselhadora e terapeuta MARIA DE MOURA BUGELLI. 

 SALVE MARIA !!!!!

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